ISSN: 2007-7033 | Núm. 62 | e1598 | Seção temática: artigos de investigação

Indígenas no Programa Educação Tutorial Ações em Saúde em uma universidade brasileira

Indigenous people in the Health Actions Tutorial Education Program at a Brazilian university

Programa de Educación Tutorial Indígena Acciones de Salud en una universidad brasileña

Vanessa Carneiro Borges*
Amanda Vitória da Silva**
Denis Delgado da Silva***
Vanusa Vieira Gomes****
Istefano Santxiê dos Santos*****
Willian Fernandes Luna******

O Programa Educação Tutorial Indígena –Ações em Saúde é desenvolvido desde 2010 na Universidade Federal de São Carlos, Brasil, e busca a formação de agentes capazes de colaborar na melhoria das condições da saúde indígena, nas comunidades populares e na valorização das práticas tradicionais de saúde indígena. Vários foram os indígenas que já passaram pelo grupo desde a sua criação. Também há parte dos egressos que já se gradou e estão atuando profissionalmente em contextos variados. Assim, neste artigo é apresentada uma pesquisa que buscou mapear os egressos do grupo, nos doze primeiros anos de sua existência, e conhecer suas experiências atuais e no período em que eram participantes. Este é um estudo de abordagem quanti-qualitativa, com uso de levantamento documental, questionários e entrevistas semiestruturadas. Foram 46 participantes do grupo, sendo 39 egressos, com grande diversidade de cursos de graduação, regiões do Brasil e povos indígenas. Desenvolveram atividades diversas em pesquisa, ensino e extensão, com interessantes relações com suas graduações e com a permanência na instituição. Percebeu-se os impactos de participação no grupo e relação de sua participação com as práticas profissionais cotidianas, inclusive relacionadas à pandemia COVID-19.

Palabras clave:

povos indígenas, saúde das populações indígenas, política de educação superior, ações afirmativas, COVID-19

El Programa de Educación Tutorial Indígena Acciones en Salud se desarrolla desde 2010 en la Universidad Federal de São Carlos, Brasil, y busca formar agentes capaces de colaborar en la mejora de las condiciones de salud de los indígenas y en las comunidades populares. Por el grupo, han pasado varios indígenas desde su creación y algunos ya se graduaron y se encuentran trabajando profesionalmente en diferentes contextos. Este artículo presenta una investigación que buscó dar seguimiento a los exintegrantes del grupo, en los primeros doce años de su existencia, y conocer sus experiencias actuales y el periodo en que fueron participantes. Se trata de un estudio con abordaje cuantitativo y cualitativo, y que utiliza encuesta documental, cuestionarios y entrevistas semiestructuradas. El grupo se conformó de 46 participantes, 39 de los cuales son exparticipantes, con una amplia gama de cursos de pregrado, regiones de Brasil y pueblos indígenas. Desarrollaron diversas actividades de investigación, docencia y extensión relacionadas con sus estudios y con su permanencia en la institución. Se advierten los impactos de la intervención en el grupo y la relación entre su participación y las prácticas profesionales actuales, incluso las que tienen que ver con la pandemia de la COVID-19.

Keywords:

pueblos indígenas, salud de poblaciones indígenas, política de educación superior, política pública, COVID-19

The Indigenous Tutorial Education Program—Actions in Health has been developed since 2010 at the Federal University of São Carlos, Brazil, and seeks to train agents capable of collaborating in the improvement of indigenous health conditions and in popular communities. Several indigenous people have passed through the group since its creation. There are also some indigenous peoples who have already graduated and are present professionally in different contexts. Thus, this article presents research that sought to map the group's former members, in the first twelve years of its existence, and to know their current experiences and the period in which they were participants. This is a study with a quantitative and qualitative approach, using documental survey, sessions and semi-structured interviews. There were 46 participants in the group, 39 of whom were graduates, with a great diversity of self-employed courses, regions of Brazil and indigenous peoples. They developed several activities in research, teaching and extension, with interesting relationships with their graduations and with their permanence in the institution. The effects of participation in the group and the relationship between their participation and daily professional practices were noticed, including those related to the COVID-19 pandemic.

Keywords:

indigenous peoples, health of indigenous peoples, higher
education policy,
public policy,
COVID-19

Recebido: 1 de julho de 2023 | Aceito para publicação: 17 de janeiro de 2024 |

Publicado: 22 de janeiro de 2024

Cómo citar: Carneiro Borges, V., Vitória da Silva, A., Delgado da Silva, D., Vieira Gomes, V., Santxiê dos Santos, I. e Fernandes Luna, W. (2024). Indígenas no Programa Educação Tutorial Ações em Saúde em uma universidade brasileira. Sinéctica, Revista Electrónica de Educación, (62), e1598. https://doi.org/10.31391/S2007-7033(2024)0062-005

* Graduanda de Terapia Ocupacional, Universidade Federal de São Carlos. Indígena do povo Tukano pertencente a TI Alto Rio Negro, comunidade Duraka Kapuamu, município de São Gabriel da Cachoeira-AM. Correio eletrônico: vanessaborges@estudante.ufscar.br/ https://orcid.org/0000-0002-4293-3111

** Graduanda de gerontologia, Universidade Federal de São Carlos. Correio eletrônico: amandavitoria@estudante.ufscar.br/

*** Graduando de enfermagem, Universidade Federal de São Carlos. Correio eletrônico: denis.delgado@estudante.ufscar.br

**** Graduanda em Educação Física, Universidade Federal de São Carlos. Correio eletrônico: vanusagomes35@estudante.ufscar.br/ https://orcid.org/0000-0003-3495-4606

***** Graduado em Educação Especial na Universidade Federal de São Carlos, Pós Graduado em Educação Especial na Faculdade da Região Serrana. Graduando em Intercultural Indigena na Universidade Federal de Pernambuco. Correio eletrônico: istefanosantos9@gmail.com

****** Doutor em saúde coletiva, Universidade Federal de São Carlos–Departamento de Medicina. Professor do curso de graduação em Medicina e do Programa de Pós Graduação em Gestão da Clínica. Linhas de investigação: saúde indígena, indígenas no ensino superior, medicina de família e comunidade, educação popular em saúde. Correio eletrônico: willianluna@ufscar.br/https://orcid.org/0000-0003-2314-128X

Introdução

Alguns programas e projetos com foco em ações afirmativas têm propiciado processos diferenciados para ingresso de indígenas no ensino superior no Brasil, principalmente a partir do início do século XXI (Baniwa, 2019).

As ações afirmativas chegaram carregadas de uma variedade de sentidos, o que reflete as experiências históricas dos outros países em que foram desenvolvidas (Paladino & Almeida, 2012). Para Feres Júnior e colaboradores (2018), três argumentos fundamentais justificam as políticas de ações afirmativas: reparação, justiça distributiva e diversidade, sendo que pelo menos um desses pontos sempre esteve presente nos diversos países em que foram implementadas.

Na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), as vagas reservadas a estudantes indígenas foram aprovadas em 2007 e, posteriormente, em 2008, foi realizado o primeiro vestibular indígena da instituição (UFSCar, 2016).

Já são quinze anos desde o primeiro vestibular indígena na UFSCar e, ao longo dos anos, importantes conquistas podem ser destacadas a partir do desenvolvimento de um processo seletivo descentralizado e que oportunizou dobrar o número de inscrições anualmente, além de o número de estudantes indígenas formados estar aumentando progressivamente (UFSCar, 2016). Esse importante passo permite, além das oportunidades de crescimento profissional, a troca de experiências nas atividades de ensino, pesquisa e extensão, bem como a quebra de padrões estereotipados, conformados pela sociedade desde o período colonial, o que pode inclusive propiciar a construção de novos conhecimentos interculturais (Luna et al., 2020).

No decorrer dos anos, o coletivo de indígenas da UFSCar foi se organizando e lutando por sua visibilidade na instituição, com a criação do Centro de Culturas Indígenas (CCI), organização estudantil representativa dos estudantes indígenas. Institucionalmente, tem sido essencial ações para a permanência dos estudantes, como a bolsa permanência, auxílio moradia, alimentação e apoio pedagógico, que fazem parte da política de ações afirmativas.

Organizaram eventos de âmbito nacional, como o primeiro Encontro Nacional de Estudantes Indígenas (ENEI), o Encontro Nacional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e a realização de workshops, com destaque para os espaços com presença e protagonismo de indígenas (Cohn, 2018).

Em 2010, a partir da portaria do Ministério da Educação (MEC) nº 976, criaram-se os Grupos PET (Programa de Educação Tutorial) Conexões de Saberes, com vistas a desenvolver ações inovadoras para ampliação da troca de saberes entre as comunidades populares e a universidade, valorizando o protagonismo dos estudantes universitários beneficiários das ações afirmativas no âmbito das universidades públicas brasileiras, contribuindo para a inclusão social de jovens oriundos das comunidades do campo, quilombola, indígena e em situação de vulnerabilidade social. O Programa PET já funcionava desde 1979, mas nesse momento criou grupos interdisciplinares com foco na construção de novos conhecimentos e integração de saberes (Freitas, 2015; Ministério da Educação, 2010; Rosin et al., 2017).

Desse modo, houve na UFSCar o surgimento de dois grupos específicos para estudantes indígenas –o PET “Ações em Saúde” e o PET “Saberes Indígenas” (Callegari et al., 2015). No início do programa, o PET Indígena Ações em Saúde tinha na sua composição doze indígenas, os quais estavam regularmente matriculados nos cursos da área da saúde, tendo sido estes os primeiros “petianos”, que ficaram sob tutoria de uma docente do curso de Medicina. Recém-egressos de suas aldeias e trazendo consigo fortes traços culturais, os primeiros petianos enfrentavam desafios na nova realidade sociocultural, dificuldades de ordem econômica e, sobretudo, de adaptação ao modelo pedagógico de ensino universitário (Callegari et al., 2015).

O PET Indígena –Ações em Saúde é desenvolvido desde então e busca a formação de agentes capazes de colaborar na melhoria das condições da saúde indígena, nas comunidades populares e na valorização das práticas tradicionais de saúde indígena, articulando os campos de ensino, pesquisa e extensão.

Atualmente o grupo possui doze bolsistas e quatro não bolsistas, estudantes dos cursos de graduação em: Enfermagem, Medicina, Fisioterapia, Gerontologia, Terapia Ocupacional, Educação Física, Biologia, Educação Especial, Pedagogia, Música e Imagem e Som.

Vários foram os indígenas que já passaram pelo PET Indígena – Ações em Saúde desde a sua criação, mas suas experiências e relações com seus cursos de graduação ainda não haviam sido investigadas. Também há parte dos egressos que já finalizou sua graduação e estão atuando profissionalmente em contextos variados.

Assim, neste artigo é apresentada uma pesquisa que foi planejada e desenvolvida por cinco indígenas que são atuais ou ex-participantes do grupo, orientados pelo docente tutor, que sentiram necessidade de analisar a trajetória histórica do grupo. A pesquisa buscou mapear os egressos do grupo, nos doze primeiros anos de sua existência, e conhecer suas experiências atuais e no período em que eram petianos.

Metodologia

Realizou-se pesquisa exploratória, cuja abordagem foi quanti-qualitativa. A parte quantitativa da pesquisa foi do tipo retrospectiva e transversal, utilizando-se de dados documentais e de questionário, com análise descritiva. A opção por realizar parte da pesquisa qualitativa deu-se por adentrar uma realidade de relações sociais e do cotidiano, o que dificulta a objetivação das ciências da natureza, e ao mesmo tempo possibilita avançar para a subjetividade e compreensão de fenômenos e processos, num campo marcado pela especificidade e diferenciação (Minayo, 2014).

A pesquisa qualitativa trabalha muito menos preocupada com os aspectos que se repetem e muito mais atenta com sua dimensão sociocultural que se expressa por meio de crenças, valores, opiniões, representações, formas de relação, simbologias, usos, costumes, comportamentos e práticas (Minayo, 2017).

Essa pesquisa foi desenvolvida por cinco indígenas, sendo um egresso do PET e quatro atuais petianos, orientados por um docente médico de família e comunidade, atuante no campo da saúde indígena. Essa característica dos autores, de estarem diretamente implicados com o tema da pesquisa por fazerem parte da mesma experiência, posiciona-os como autores compromissados e em uma posição que favoreceu o diálogo com os entrevistados e nas informações coletadas.

Os critérios de inclusão na pesquisa foram: indígena que tenha estudado na UFSCar, graduado ou não; egresso do PET-Indígena Ações em Saúde. Não houve critérios para exclusão de participantes.

A construção dos dados da pesquisa foi realizada em duas etapas, conforme descrito nos próximos itens:

Etapa 1: Mapeamento dos egressos

Por meio de levantamento documental dos materiais disponíveis nos arquivos internos do grupo e do Sistema de Gestão do Programa de Educação Tutorial do Ministério da Educação (SIGPET), foi realizado um mapeamento de todos os indígenas que foram participantes do PET-Indígena Ações em Saúde, chamados de egressos, no período de 2010 a 2022.

Posteriormente, os pesquisadores buscaram localizar esses egressos por meio de email, redes sociais e pessoas-chave, sendo realizado convite para participarem da pesquisa. A partir do aceite em participar e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi enviado um questionário auto aplicado.

O questionário buscou levantar informações sobre o perfil dos egressos, período de atuação como petianos, atuação profissional atual e percepções gerais sobre sua participação no grupo.

Etapa 2: Entrevistas semiestruturadas

A entrevista é uma técnica privilegiada de comunicação e é caracterizada por ser uma conversa com iniciativa do entrevistador, com uma determinada finalidade, mais especificamente destinada a construir informações para um objeto de pesquisa. Assim, para conhecer o universo de experiências atuais desses indígenas, bem como as que vivenciaram no período em que eram petianos, optou-se pela realização de entrevistas semiestruturadas, ou seja, possuíam um roteiro de questões previsto, mas com possibilidade de ampliar e aprofundar entendimentos a partir do que era trazido pelo participante (Minayo, 2014). Quando se trata de entrevista, é importante ressaltar que um depoimento individual também traz muitos aspectos coletivos, demandando da análise este olhar (Minayo, 2017).

Analisando-se os questionários e buscando-se diversidade de participantes e homogeneidade (Minayo, 2017), selecionou-se sete para serem entrevistados individualmente. Como características para serem convidados buscou-se que trouxessem uma riqueza de experiências relacionadas ao grupo: graduado ou ainda estudante; da área da saúde ou área afim; trabalho atual na saúde indígena ou área afim; participação no grupo em diferentes anos. Optou-se por selecionar apenas egressos com participação no PET-Indígena Ações em Saúde em período superior a um ano.

Para os sete egressos selecionados, foram realizados convites para entrevistas individuais. Alguns não tiveram disponibilidade, então outros convites foram realizados até que se chegasse a sete aceites e entrevistas realizadas.

Considerando-se que todas as entrevistas foram realizadas durante o período de pandemia de COVID-19, tomaram-se as medidas sanitárias de distanciamento social, realizando-se todas as entrevistas no modelo remoto, utilizando-se a plataforma de reuniões virtuais Google Meet.

As entrevistas tiveram duração entre 19 e 47 minutos, com média de 28 minutos e 21 segundos. Os entrevistadores foram os indígenas petianos autores desse artigo. Os entrevistados foram identificados com nomes de frutas tipicamente brasileiras e originárias de suas regiões. Essa estratégia buscou garantir o sigilo, mas também trazer essências sobre a vivência e a cultura dos entrevistados, tendo sido esses nomes acordados com os participantes da pesquisa. Os nomes foram os seguintes: Jabuticaba, Guavira, Tucumã, Açaí, Caju, Umbu e Buriti.

Os entrevistados são cinco mulheres e dois homens; dos povos: Terena, Tariano, Baniwa, Tupinikim, Atikum-Umã e Pankararu; dos estados do Mato Grosso do Sul, Amazonas, Pernambuco, Espírito Santo e São Paulo; cursavam as seguintes graduações quando foram petianos: enfermagem, psicologia, medicina e educação especial.

Todas as entrevistas foram gravadas em áudio e vídeo e em seguida transcritas de forma integral, garantindo-se o sigilo por meio da codificação dos nomes e outros dados que identificassem o participante. O processo de transcrição e conferência do material foi realizado pelos indígenas autores desse artigo. Logo depois de transcritos e finalizada a pesquisa, todos as gravações foram descartadas.

Os dados construídos por meio do levantamento documental e dos questionários foram descritos utilizando-se medidas simples de frequência e proporção, apresentados em tabelas e gráficos.

Os materiais oriundos das entrevistas semiestruturadas estão sendo analisados segundo a Análise de Conteúdo Temática (Deslandes et al., 2013). Foi realizada ordenação, fragmentação, identificação de núcleos de sentido, categorização e elaboração de síntese interpretativa, permitindo o diálogo dos eixos identificados com a experiência vivência pelos estudantes, os objetivos e questões iniciais da pesquisa.

Assim, foram definidas três categorias: aprendizados durante a participação no grupo PET; a participação no PET como estratégia de permanência na graduação; relações da participação no PET com a vida profissional.

Os resultados estão apresentados em duas partes: inicialmente a descrição do mapeamento dos egressos, seguido das experiências dos participantes apresentadas categorias temáticas. Realizou-se diálogo com outras pesquisas e discussões teóricas de autores da área.

Para início desta pesquisa, o projeto foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), com número CAAE: 38815120.3.0000.5504.

Resultados e discussões

Parte 1: Mapeamento dos egressos do grupo

Nos primeiros doze anos de atividade do grupo, ou seja, entre 2010 e 2022, foram 46 petianos, participantes do PET Indígena –Ações em Saúde. Desses, sete ainda estão ativos no programa em maio de 2023. Assim, são egressos 39 indígenas.

Dos 39 integrantes, foi possível reconhecer que enquanto eram do grupo, estavam cursando diferentes graduações. Tiveram um participante os cursos de Terapia Ocupacional, Ciências Biológicas, Ciência da Computação, Engenharia de Materiais, Engenharia Física, Educação Especial, Linguística, Imagem e Som, Biblioteconomia e Ciência da Informação. Foram dois da Pedagogia e três dos cursos de Fisioterapia e Gerontologia. Tiveram quatro petianos dos cursos de Educação Física e Enfermagem. Do curso de Medicina foram sete petianos. Sobre três egressos não foi possível identificar o seu curso. O gráfico 1 traz essa descrição.

Gráfico 1. Cursos de graduação dos participantes egressos do PET Indígena –
Ações em Saúde, Brasil, 2010 a 2022

Percebe-se uma concentração em cursos da área da saúde, principalmente nos cursos de graduação em Medicina, Enfermagem, Psicologia, Fisioterapia, Gerontologia, Terapia Ocupacional e Educação Física. Há cursos de áreas afins à saúde, especialmente os ligados à educação, que também aparecem em destaque, como Pedagogia e Educação Especial. Há também outros cursos diversos, que não são necessariamente de áreas afins à saúde, mas que possibilitaram a construção de pontes com a saúde, como a Ciência da Computação, Engenharia de Materiais, Ciências Biológicas, Engenharia Física, Imagem e Som, Linguística e Biblioteconomia e Ciência da Informação.

Dos 39 egressos do grupo, 30 aceitaram participar da pesquisa e responderam ao questionário e 9 não puderam ser contatados ou optaram por não responder.

Dos participantes da pesquisa, a idade de ingresso no PET variou entre 22 e 47 anos. Quanto ao gênero, 13 se identificaram do gênero feminino e 17 do gênero masculino. Quanto ao estado civil dos participantes, 23 se declararam solteiros, 6 são casados ou possuem união estável e 1 declarou outro.

Tabela. Perfil dos participantes egressos do PET Indígena Ações em Saúde, 2010 a 2022

Característica

Descrição

Frequência

Porcentagem (%)

 

Entre 20 e 25 anos

5

17,24

 

Entre 26 e 30 anos

15

51,72

Faixa Etária

Entre 31 e 35 anos

3

10,34

 

Entre 36 e 40 anos

3

10,34

 

Mais de 40 anos

3

10,34

 

Total

29

100

 

Mascuino

17

56,67

Gênero

Feminino

13

43,33

 

Total

30

100

 

Solteiro

23

76,67

Estado Civil

Casado/União Estável

6

20

 

Outros

1

3,33

 

Total

30

100

Em relação à etnia/povo, houve um estudante dos povos Arapasso, Dessana, Kaxinawa, Omágua/Kambeba, Piratapuia, Tupinikim, Yepá Mahu/Tukano. Foram dois dos povos Balatiponé-Umutina e Pankará. Três do povo Pankararu. Quatro dos povos Atikum-Umã e Tariana. E sete do povo Terena. Um estudante se declarou pertencente a dois povos, Baniwa e Tariana.

Gráfico 2. Povos indígenas dos participantes egressos do PET Indígena Ações em Saúde, Brasil, 2010 a 2022

Quanto ao estado de origem, 10 são do Amazonas, 7 do Mato Grosso do Sul, 8 de Pernambuco, 2 do Mato Grosso, 1 do Espírito Santo, Acre e São Paulo. Percebe-se que a maioria dos estudantes indígenas vieram dos estados do Amazonas, Pernambuco e Mato Grosso do Sul. Esse perfil de estudantes pode ser justificado por dois motivos: carência de ações afirmativas para acesso à universidade nas regiões de moradia desses estudantes e pela descentralização do vestibular indígena da UFSCar (Cohn, 2018; Dal’Bó, 2010; Luna, 2021).

O vestibular indígena tem acontecido em diferentes localidades e regiões do Brasil a cada ano, sendo que essa definição acontece junto aos coletivos indígenas da instituição. Esse perfil de estudantes indígenas de diferentes e distantes regiões do país na UFSCar também foi descrito por outras pesquisas, sendo uma característica marcante na instituição (Jodas, 2019; Luna, 2021). No gráfico 3 apresentam-se as origens dos estudantes por regiões brasileiras.

Gráfico 3. Regiões geográficas de origem dos participantes egressos do
PET Indígena Ações em Saúde, Brasil, 2010 a 2022

No gráfico acima, percebe-se maior concentração dos egressos em estados das regiões Norte e Centro-Oeste. A região Nordeste aparece na sequência, tendo se destacado nos últimos anos e dentre os atuais participantes do grupo. A região Sul não teve nenhum participante no grupo, o que também é característico dos indígenas que ingressam na UFSCar, já que naquela região há um número maior de vagas para indígenas por ações afirmativas (Bergamaschi et al., 2018). A região Sudeste, onde fica a UFSCar, teve apenas dois participantes, o que reforça a característica da instituição de ter muitos indígenas de outras regiões do país.

O tempo de permanência no grupo variou de 5 meses a 9 anos, com uma média de três anos e meio, o que demonstra que a participação não é apenas temporária, mas duradoura. Uma parte dos participantes, inclusive, mantem-se no grupo até o final da graduação. Nesse sentido, é necessário reconhecer o PET como uma estratégia para permanência dos indígenas nas universidades (Freitas, 2015; Jesus, 2017; Luna, 2021).

Em relação à conclusão de curso ou não, 13 (43,3%) concluíram o curso que faziam à época do PET e 17 (56,7%) não concluíram o curso. Ressalta-se que alguns deles ainda estão cursando a graduação e outros mudaram de curso e/ou instituição.

Sobre a ocupação atual dos egressos: 12 trabalham em suas respectivas áreas de formação; 8 ainda estão na graduação, algumas vezes em um curso diferente do que faziam; 7 mudaram de curso e instituição; 1 trabalha em uma área diferente da sua formação de graduação; 2 responderam estar desempregados. Percebe-se, assim, que a maioria seguiu sua atuação no campo da saúde, o que demonstra que a participação no PET impacta suas trajetórias futuras dos profissionais.

Parte 2: Experiências dos participantes egressos

Categoria 1. Aprendizados durante a participação no grupo PET

Nessa primeira categoria, os participantes destacaram atividades desenvolvidas no PET, ressaltando experiências marcantes, tanto positivas, como negativas. As possibilidades de apreensão de novos conhecimentos, através de atividades de extensão, foram descritas como potências para a população de São Carlos, bem como para suas comunidades de origem, reforçando a importância da extensão universitária como via de mão dupla:

A gente participou de várias oficinas e vários projetos. Uma que a gente participou bastante, que é lá na comunidade Santo Eudóxia, a gente fazia uma atividade de educação sexual para os estudantes. Agora, não me lembro se era ensino médio ou fundamental, que a gente fazia lá. Eu sei que a gente, a cada quinze dias, ia. Numa sexta-feira à tarde, a gente fazia essas atividades lá (BURITI).

... a gente ficou uns três anos fazendo projetos sobre saúde sexual e reprodutiva com os alunos e era muito enriquecedor. A gente estudava, planejava e depois desenvolvia lá, sempre com o que o grupo achava que era importante. E acabava que por a gente ser diferente, de vários povos, ajudava a planejar algo para desenvolver (GUAVIRA).

E tinha esses trabalhos nas escolas, geralmente a gente ia falar sobre doenças sexualmente transmissíveis, que eram temas que eles mais... pôr a gente ser um PET saúde, e como na escola não puxavam tanto esses assuntos, aí eles pediam pra gente desenvolver. [...] A gente aprendia e ensinava (CAJU).

... e o programa acaba favorecendo uma interação entre os próprios estudantes indígenas e uma interação com a comunidade, que desde o início a gente consegue levar algum retorno através das atividades que a gente realizava nas nossas comunidades, durante o período de férias, proporcionadas pelo PET (JABUTICABA). 

Como pode ser percebido nas falas dos entrevistados, o grupo desenvolveu atividades no campo da saúde que não eram específicas da saúde indígena, já que no município de São Carlos havia poucos indígenas moradores. Dessa forma, a estratégia construída naquele momento foi o de desenvolver atividades de educação popular em saúde em comunidades periféricas do município, utilizando-se da dialogicidade e do trabalho coletivo. Assim, semelhante ao descrito por Jesus (2017), em artigo discutindo a experiência do PET Comunidades Indígenas da Universidade Federal da Bahia, percebe-se o protagonismo estudantil nas ações, bem como a possibilidade de construção compartilhada entre os diferentes povos em decisões coletivas.

Alguns participantes reforçaram a contribuição para experiência pessoal e acadêmica, desenvolvimento de habilidades sociais, além do enriquecimento cultural na troca de experiências devido à diversidade de cursos, regiões e povos presentes no desenvolvimento das atividades: 

O PET ele me proporcionou habilidades sociais. Eu cheguei muito tímida quando eu entrei na universidade, então ele me proporcionou o conhecimento de um leque bem extenso de cursos também, porque éramos alunos de várias áreas da saúde, das humanas. Então a gente trocava conhecimento, trocava experiência entre os parentes (AÇAÍ).

 ... de certa forma fazia com que a gente tivesse um treinamento para poder se adaptar dentro do ensino da graduação, porque sabemos que a graduação exige muito da gente, principalmente para quem é um pouco mais... eu gosto de usar essa palavra, um pouco mais tímido, com dificuldade de falar. Que isso é normal, é especificidade de cada um. A gente aprende no PET a quebrar essas barreiras de uma forma saudável porque quando estamos na graduação é muita pressão que a gente tem, principalmente nas formas de seminários, tem um tipo de pressão que o nosso psicológico às vezes não aguenta e o PET agregou muito nesse sentido (GUAVIRA). 

O PET indígena entrou nas nossas vidas, dentro da universidade. Ajudou bastante a desenvolver a questão de adaptação e essas coisas que a gente tinha mais dificuldade. E, além disso, a gente trabalha mais a questão indígena, a gente acaba interagindo com os demais parentes de outras etnias, de outras localidades (BURITI).

Mas foi muito bom, [...] como o próprio estudante membro do PET. Falando nisso, uma coisa bacana, trabalhar com indígena foi bom porque a gente sempre está relacionado com as coisas do branco, né?. E aí, não. A gente trabalhou em coletivo indígena (UMBU).

Esse encontro de diversidades em um ambiente protegido entre os “parentes”, como tratam-se entre si os indígenas de diferentes povos no Brasil, permitiu que dificuldades inerentes ao ambiente universitário pudessem ser compartilhadas e superadas. Na experiência do PET Potiguara, no estado da Paraíba, discutiu-se que os encontros semanais eram essenciais para solucionar problemas na dinâmica da vida universitária (Barcellos, 2015). Segundo Barcellos, o PET Potiguara garantiu aos indígenas daquela instituição momentos de partilha e troca de saberes e de escuta, com desenvolvimento acadêmico.

Na experiência do PET Ações em Saúde, um destacado aprendizado descrito foi na organização de eventos relacionados à saúde indígena, entre eles o Workshop Saúde dos Povos Indígenas e as Rodas de Conversa sobre Saúde dos Povos Indígenas, que possibilitaram a construção de projetos coletivos que buscavam superar a invisibilidades dos povos indígenas, e das questões relacionadas à sua saúde, no ambiente universitário:

Teve as rodas de conversa sobre saúde indígena que a gente... acho que o pessoal do grupo já vinha já querendo puxar algo aqui dentro da universidade sobre saúde indígena, o ideal seria puxar pra dentro das disciplinas nos cursos, mas a gente queria uma atividade que fosse... que a gente tentasse introduzir aos povos isso na universidade  (CAJÚ). 

O Workshop é uma semente que foi plantada no PET e que agora está crescendo. É uma das coisas que eu tenho muito orgulho de falar que fiz parte do desenvolvimento do workshop e espero que vocês deem continuidade nisso, porque ele só foi crescendo e só foi evoluindo. E foi crescendo de uma forma grande, então é muito prazeroso a gente ver de fora o quanto que o PET está evoluindo nisso e as evoluções que tiveram dentro do PET (GUAVIRA).

Foi meu primeiro workshop sobre saúde indígena. Na verdade, eu nasci no meio da criação dele, então pra mim é muito marcante porque eu participei de praticamente todos os processos do evento, inclusive teve o último em dois mil e dezenove. Planejar e depois realizar foi importante porque tínhamos esse objetivo, de trazer a discussão de saúde indígena (AÇAÍ).

Teve um curso também, que já foi diante da pandemia, que foi sobre saúde indígena, que a gente foi mediador. É um curso de introdução à saúde indígena, lembrei. Esse curso foi bom tanto para a gente, que estava na organização, como mediadores, como também abrangeu várias outras universidades, tanto indígenas como não indígenas. Então, foi um momento de diálogo para fortalecer essa troca de experiências com o não índio e o indígena (UMBU).

Nas falas dos entrevistados fica evidente a invisibilidade da temática da saúde indígena na universidade, mesmo em cursos de graduação em saúde que possuem a presença de estudantes indígenas. Desenvolver ações que evidenciem e discutam esse campo do saber podem romper com processos de violência institucional e sensibilizar o interesse de outros estudantes para atuarem nos contextos indígenas (Aurora, 2018; Luna et al., 2020).

Essas atividades no campo da saúde indígena, bem como as visitas técnicas, foram relacionadas ao amadurecimento e novas compreensões dos serviços de saúde indígena, com surgimento de oportunidades e experiência profissional:

... nós éramos muito convidados para participar de rodas de conversa para fora. Eu lembro de uma roda que gente foi em Botucatu, no congresso de medicina de Botucatu, que foi muito legal também contar as experiências. E isso favoreceu muito para a gente enquanto petianos, enquanto estudante da graduação e futuros profissionais. [...] Tivemos também a oportunidade de conhecer o ambulatório do índio dentro da Unifesp, que foi uma visita técnica que a gente fez, e foi muito enriquecedor, porque pudemos ver como funcionava um serviço de saúde para os povos indígenas (GUAVIRA). 

Percebeu-se uma concentração de atividades do grupo no campo de saúde da mulher e planejamento familiar nos primeiros anos de existência do grupo, com uma transição para outras discussões da saúde, em especial a saúde indígena. Essas trajetórias podem ser justificadas pelo transformações no grupo de petianos ao longo dos anos e pela formação dos tutores do grupo, inicialmente uma médica ginecologista e obstetra; seguido de um antropólogo; atualmente um médico de família e comunidade do campo da saúde indígena.

Houve, ainda, uma aproximação cada vez maior com a educação, inclusive com um número maior de estudantes de cursos de graduação das áreas de ciências sociais e humanas, ampliando os processos de ensino-aprendizagem e a troca de saberes e experiências dos participantes, o que pode estar mais relacionados aos modos indígenas de construir, onde há integração de diferentes áreas de saber:

Por exemplo, no começo era só da enfermagem, ou na medicina. Também que é uma área que a gente acabou focando muito nessa parte que era de saúde, saúde da mulher e tal. Depois isso foi ficando mais ampliado, quando teve maia da educação e de outras áreas (TUCUMÃ).

... O PET indígena era voltado só para a área da saúde e com o passar do tempo nós, os petianos, conseguimos ter essa visibilidade de que precisaríamos... não se fala de saúde em um modo uni, precisamos falar saúde em um conjunto todo, não se diz de saúde saindo da educação. A saúde e a educação precisam caminhar juntos (GUAVIRA).

Para além das atividades específicas do grupo, os participantes destacaram a colaboração em espaços do coletivo indígena da instituição, em especial o acolhimento aos calouros indígenas:

Fazíamos também, dentro do PET, o acolhimento, que é muito importante, com os estudantes indígenas que chegam na UFSCar. Dentro da nossa realidade, dentro do que a gente conseguia, a gente montava um grupo, geralmente com quem estava em São Carlos que não retornava para a sua cidade de origem, porque os estudantes indígenas chegam bem antes de começarem as aulas, daí a gente ajudava no que precisava, a gente conseguia participar junto com o coletivo indígena... (GUAVIRA).

Interessante perceber que para além da atuação acadêmica e no campo da saúde, os participantes trouxeram novas possibilidades de aprendizado na atuação no próprio movimento indígena da instituição. Assim, assumir responsabilidades quanto ao acolhimento de outros indígenas, bem como representar a instituição em espaços colegiados e eventos foi trazido como estratégia política de atuação do grupo. Essas experiências se assemelham às relatadas em uma pesquisa sobre os indígenas na UFSCar, que traz a importância da construção desse pertencimento para os indígenas universitários (Jodas, 2019).

Os egressos relataram que entre as experiências difíceis durante o período de construção das atividades do PET, o mais desafiador foi trabalhar em equipe multidisciplinar, considerar opiniões e posicionamentos. Justificaram essa condição pelo grupo ser muito heterogêneo, dada a diversidade de povos indígenas e cursos de graduação, o que levava a discussões divergentes em certas situações, mas também demandava capacidade de diálogo e de construção de consensos.

... Então, a gente trabalhar dentro de um grupo interdisciplinar é difícil. O trabalho de equipe ele requer muito que seja um companheirismo e muitas das vezes isso não acontecia. Então a gente não se entendia. Então a gente tinha que sentar de novo para readequar o nosso ponto de vista, para a gente tentar juntar a ideia de todo mundo para que todo mundo se sentisse contemplado (AÇAÍ).

O PET Indígena era voltado só para a área da saúde e com o passar do tempo nós, os petianos, conseguimos ter essa visibilidade de que precisaríamos- não se fala de saúde em um modo uni, precisamos falar de saúde em um conjunto todo, não se diz de saúde saindo da educação, a saúde e a educação precisam caminhar juntos. Isso era bem difícil muitas vezes, mas a gente acabava aprendendo a lidar com toda essa divergência (GUAVIRA).

A dificuldade é lidar com as pessoas. São pessoas com conhecimentos diferentes, com ideias diferentes, com profissões diferentes. Então a gente trabalhar dentro de um grupo interdisciplinar é difícil. O trabalho de equipe ele requer muito que seja um companheirismo [...]. Então a gente não se entendia. Então a gente tinha que sentar de novo para readequar o nosso ponto de vista, para a gente tentar juntar a ideia de todo mundo para que todo mundo se sentisse contemplado (AÇAÍ).

Foi bacana participar porque era uma coisa multidisciplinar, que envolvia vários cursos.

Então, a gente trocava experiências, saía também, em projetos. Claro que o grupo sempre vai ter atritos, mas construtivos. A gente sempre respeita a opinião de cada um (UMBU).

Essa diversidade de experiências, tanto positivas, como desafiadoras, permitiu aos egressos um contato com um leque de possibilidades, nos campos do ensino, da pesquisa e da extensão, favorecendo o desenvolvimento de aprendizados que não teriam oportunidade nos espaços habituais da universidade. Ficaram evidentes aprendizados sobre interdisciplinaridade, interprofissionalidade, diálogo, liderança, planejamento e interculturalidade.

Categoria 2. O PET como estratégia de permanência na graduação

Nessa segunda categoria, os egressos trouxeram falas sobre a contribuição do PET no próprio desenvolvimento do curso de graduação. Além disso, destacaram a importância desse espaço como forma de permanência na instituição:

Como eu falei um pouquinho, o PET veio agregar na minha graduação de uma forma muito direta, tanto na questão de facilidades para me manter, para eu ter o foco na graduação [...] acabou me ajudando a me formar (GUAVIRA).

É o que eu tinha falado, acho que um complementa o outro, o PET não só em questão de conteúdo que também ajuda bastante dentro do curso, mas a questão da postura, do trabalho com diferentes pessoas, acho que mais isso foi importante para eu melhorar meu desempenho no próprio curso de graduação (CAJÚ).  

A partir do desenvolvimento de atividades relacionadas à saúde indígena no PET, os egressos identificaram que foi oportunidade de preencher lacunas sobre essa temática na própria graduação, pois não havia essa abordagem nas atividades regulares da graduação. Essa não é apenas a realidade dessa universidade no Brasil, mas da grande parte dos cursos da área da saúde, que invisibilizam os contextos dos povos indígenas, gerando graduados que não tem nenhuma aproximação com o tema (Diehl & Pellegrini, 2014).

A gente pôde trabalhar os temas relacionados aos cursos, no caso o meu, eu fiz enfermagem. A gente trabalhou bastante projetos voltados para a saúde da população indígena. A gente fez algumas pesquisas bibliográficas relacionadas à saúde indígena. A gente pôde entender um pouco mais a relação de saúde indígena, dentro do meu curso, no caso. Como a universidade e o próprio curso não tinha uma matéria específica em saúde indígena, o PET ajudou a gente a entender um pouco mais sobre o que é saúde indígena, né? (BURITI).

... dentro da universidade eu não via muito em relação a isso, da saúde indígena, dentro das grades curriculares. Mas o PET me proporcionou bastante em relação eu ter uma visão crítica em relação a isso, em relação às vivências, e daí eu vi que eu aprendi sobre saúde indígena, que era importante para minha formação do meu curso (AÇAÍ).

E voltando para a saúde indígena, como eu não tive nada de saúde indígena dentro da graduação, dentro da minha grade curricular, o que eu tive de saúde indígena foi dentro do PET, tanto nas discussões que a gente tinha nos encontros, como na nossa roda de conversa que a gente conseguiu fazer (GUAVIRA).

Além da troca de experiências entre os integrantes do PET, observamos também, a questão trazida pelos egressos sobre a importância do trabalho realizado com a população de São Carlos por meio das rodas de conversas, que buscavam dar visibilidade aos povos indígenas, ali representados pelos estudantes indígenas da UFSCar. Essas atividades propostas fora do campus, apresentando a diversidade de povos, faz com que haja a quebra de estereótipos trazidas pelos livros didáticos:

Eu acredito que o que mais abrangeu em relação aos dois, nessa interface saúde e educação, foi quando a gente ia para as escolas, que ficava mais perto da gente, que fazia Educação Especial. E professor no todo, e a gente fazia aquelas palestras com os alunos. O único problema era que a gente só ia quando era semana indígena, dia do índio, e isso é uma pena. A gente queria ir com mais frequência, apresentar nossas propostas, nossa vivência, a própria universidade, como indígena (UMBU).

... a saúde indígena, que a educação indígena, está em todos os campos, está em todas as esferas, mas não é todo mundo que tem conhecimento disso ou não busca isso e acaba tendo um empecilho depois, então acredito que o PET somou muito para isso. [...] rodas de conversa que a gente teve, que a gente abriu para a população sãocarlense e foi uma das coisas bem bacanas que a gente fez e que agregou bastante para o nosso conhecimento (GUAVIRA).

Mas acho que nas rodas a gente traz esses processos um pouco mais de desconstrução mesmo, de crítica, então quando a gente abordava uma coisa, sei lá, um pouco diferente e estava relacionada à minha área. Então enfatizava de uma forma que eu pudesse contribuir e pudesse trazer reflexão para o grupo e também para mim, porque ali eu estava aprendendo (TUCUMÃ).

Uma experiência interessante descrita foi a realização de pesquisa e atividades em seus territórios durante a graduação, vislumbrando encontrar respostas para algumas indagações que os incomodavam, o que não estava previsto em seus cursos regulares. Como nas experiências das universidades do Paraná, a aproximação com projetos em suas comunidades de origem fortaleceu o pertencimento étnico-comunitário e o sentimento de pertença e compromisso coletivo (Amaral & Baibich-Faria, 2012).

Segundo as discussões de Luna (2021) sobre os indígenas no ensino superior no Brasil, em especial na medicina, o autor diz haver uma discordância entre a localização das populações indígenas e as instituições em que estudam, sendo que esses grandes deslocamentos trazem mais dificuldades, como o distanciamento de seus familiares, impossibilidades de retornos frequentes para as comunidades e uma sensação de serem ainda mais estranhos naquela nova localidade (Luna, 2021). Nesse sentido, participar do grupo PET possibilitou essa constituição de um coletivo de indígenas que poderiam estreitar laços e construir atividades juntos, amenizando suas dificuldades.

Assim, reconhecendo que um dos objetivos de estar cursando uma graduação é adquirir conhecimentos e retornar para suas comunidades, o movimento do PET provocar essa aproximação dos estudantes de graduação com as suas comunidades de origem permitiu maior motivação para permanência no curso:

... nas férias ele me proporcionava eu estudar em relação à saúde mental, em relação ao comportamento das pessoas, em relação à pluralidade de povos que existem aqui no Amazonas, principalmente em São Gabriel da Cachoeira da Cachoeira. Eu atuei nas férias, nas quais os projetos a maioria são aqui dentro do programa de bolsas do PET, então ele me proporcionou que eu experienciasse, antes de mais nada, responder algumas perguntas das quais eu tinha muita dúvida. Uma delas é sobre a saúde mental, sobre a psicologia dentro de atenção psicossocial que eu ia fazer depois de formada (AÇAÍ).

Ressaltando o trabalho realizado pelos tutores, os egressos destacaram o quanto é importante esse acompanhamento, e pelo fato de os professores já terem uma aproximação em relação aos povos indígenas, isso facilita a interação com grupo e o desenvolvimento das atividades, com forte atuação na escuta e integração do grupo:

É porque acaba que as duas tutoras que tinham na época que instigavam muito a gente a se desenvolver também no curso (...) então acabava que a interação era bem significativa porque a gente sempre levava alguma coisa ou do PET ou da medicina em ambos os locais, então a conexão era bem boa (JABUTICABA).

No trabalho com o PET Potiguara, discutiu-se esse papel de escutar, dialogar e instigar os indígenas a permanecerem na universidade e concluírem seus cursos de graduação, por meio da convivência e identificação de motivações e construção de projetos de interesse comum (Barcellos, 2015).

Portanto, a partir da fala dos egressos podemos observar que a participação no PET tem contribuído com a jornada dos estudantes indígenas na universidade, com destaque para a permanência. Ter um ambiente onde possam ter uma conversa sobre as dificuldades, sejam elas em relação ao curso ou até mesmo algo pessoal, é de suma importância, para a permanência na graduação, da mesma forma como relatado em outros estudos (Barcellos, 2015; Freitas, 2015; Jesus, 2017).

Nesse sentido, o PET Indígena Ações em Saúde foi descrito como estratégia de permanência no âmbito material, principalmente pelo pagamento de bolsas aos petianos. No âmbito pedagógico, como espaço em que se aprendem as complexas dinâmicas institucionais universitárias, com estabelecimento de um ambiente protegido entre indígenas e apoio de um docente, o tutor. E no âmbito simbólico, com fortalecimento da coletividade, do pertencimento étnico-comunitário e da militância por direitos indígenas.

Destaca-se, também, que diversas oportunidades surgiram, nos relatos a partir da participação no PET, de como os estudantes indígenas conseguiram fazer a conexão universidade e comunidade, buscando trazer os conhecimentos tradicionais para o ambiente acadêmico. Assim, reconhecendo algumas limitações, destacaram as possibilidades de os conhecimentos tradicionais caminharem junto com o conhecimento científico, vislumbrando a valorização da cultura indígena, bem como a quebra de estereótipos, mostrando a diversidade de povos existentes no Brasil.

Categoria 3. Relações da participação no PET com a vida profissional

As atividades desenvolvidas no PET proporcionaram aos participantes experiências enriquecedoras que impactaram sua atuação profissional após graduados. Em suas falas, os egressos, atuais profissionais, relataram onde perceberam durante atividades profissionais cotidianas o uso de conhecimentos, habilidades e atitudes desenvolvidas durante seu período de atuação no grupo, que foram para além dos aprendizados básicos da graduação em seus cursos:

Para a minha vida profissional [...] acho que a nossa comunicação, o nosso posicionamento, o nosso olhar, nas questões que as pessoas trazem ali no grupo, dentro das rodas, dentro dos workshops que a gente vai participando. E acho que nessa questão na vida profissional, com certeza me ajudou muito nessa questão de repertório (TUCUMÃ). 

Quando a gente vai atuar dentro das práticas do programa PET a gente vai em várias áreas, a gente vai pra área de educação, a gente vai pra área da saúde, a gente vai pra área social. Então ele abre um leque extenso de objetivos nos quais a gente precisa alcançar, dentro deles uma das partes que eu nunca tinha notado é em relação à educação, que é onde eu atuo recentemente. E eu sou da área da saúde (AÇAÍ).

O trabalho em equipe tem sido ainda mais presente na saúde indígena, pois ficamos em área por vários dias juntos e preciso ainda mais dessas habilidades no trabalho em equipe (TUCUMÃ).

Diante dos trabalhos realizados, das vivências com os membros de outros cursos e orientações dos tutores, pode-se observar que os atuais profissionais que participaram do PET se tornaram responsáveis por funções variadas no seu atual ambiente de trabalho. Como o espaço de aprendizado é interdisciplinar e interprofissional, gera-se uma competência interessante para comunicação, planejamento e avaliação, que são demandadas atualmente nos seus ambientes de trabalho.

Alguns dos participantes entrevistados mencionaram que participar do PET influenciou na escolha e definição de suas áreas de atuações, ajudando a tomarem algumas decisões e fornecendo uma visão crítica no âmbito profissional: 

O PET me deu esses subsídios para influenciar no que eu queria para a minha formação e depois para minha atuação futura. Eu não tinha nada na graduação de saúde indígena e o PET proporciona isso de uma forma muito rica em cultura. Então ele influenciou positivamente para isso, tanto nas rodas de conversa e a sensibilidade que nos dá enquanto estudante na época e para agora, que sou já uma profissional (GUAVIRA).

Diante das dificuldades impostas pela pandemia da Covid-19, os entrevistados precisaram se reinventar em seus ambientes de trabalhos ao exercer a sua profissão, sendo que a maioria está atuando na saúde e no contexto indígena. Relataram que foi difícil ter a experiência de lidar com o inesperado e cuidar de pessoas sem saber direito o que estava acontecendo: 

Tinha uma época logo nos primeiros meses que a gente não estava preparado no sentido de estrutura do hospital. Tinha épocas que eu estava com pacientes precisando de oxigênio, eu tinha que escolher qual paciente eu ia colocar no oxigênio, qual paciente que era mais grave, eu tinha fila de paciente para ficar no leito e aí nesse início eu acabei assumindo algumas responsabilidades. A experiência do PET ajudou nessas situações. Eu tinha que assumir a responsabilidade (JABUTICABA).

O medo de levar o vírus para casa também foi uma das grandes preocupações para os egressos que atuavam profissionalmente durante a pandemia de COVID-19. As medidas de distanciamento social e sobrecargas dos profissionais da linha de frente, também tiveram impacto na saúde mental de todas as pessoas. 

Esses impactos foram ainda mais sentidos para quem atuava na saúde indígena, já que durante a pandemia de COVID-19, evidenciaram-se situações de vulnerabilidade dos povos indígenas no Brasil. Devido à complexidade de questões sócio-históricas, grupos diferentes acessaram e vivenciaram as situações de formas desiguais, sendo relevantes as questões relativas a raça, cor, etnia, gênero e condição econômica (Lima et al., 2021).

E aí é você atuando ali todo dia atendendo paciente que é positivo, seu risco é muito alto, exposição, então teve esse momento que deu um medo bem grande porque na primeira onda era muito paciente idoso, nessa segunda foi muito paciente jovem e aparentemente a gente está subindo de novo os casos (JABUTICABA).

Então a gente pode perceber que querendo ou não a questão de saúde mental foi a que sofreu mais, que sofreu, assim, em todos os sentidos. A nossa saúde mental sofreu grandes alterações, em relação a preocupação (AÇAÍ). 

Mesmo assim, buscaram estar presentes nos espaços e construir com as incertezas, como fizeram os indígenas nos diversos enfrentamentos à COVID-19 por todo o Brasil, construindo e criando, de forma criativa e assertiva, formas de resistência, com destaque para a busca por visibilidade da situação indígena na pandemia e o protagonismo das mulheres indígenas nos diversos contextos (Tavares, 2022).

Nessa época eu acabei prestando muito atendimento pelo telefone. Então alguém passava mal e me ligava e aí eu conseguia fazer meio que um atendimento e mandar prescrição, que nessa época eles estavam aceitando. Então conseguia fazer alguns tipos de atendimento, assim, para quem necessitava. Daí consegui ajudar minha comunidade, mesmo não atuando lá (JABUTICABA).

Portanto, percebe-se que no caso dos egressos do PET, sua atuação profissional no contexto indígena foi favorecida pela possibilidade de aprendizagens sobre a saúde indígena nas atividades do grupo. Experiências na graduação, com aproximações ao universo indígena mediante a imersão na cultura local, podem favorecer os estudantes da área da saúde à superação do imaginário romântico, compreendendo processos históricos de exclusão das políticas públicas, além do desenvolvimento de respeito e valorização de saberes tradicionais, todavia essas experiências ainda são pouco frequentes (Luna et al., 2019). Essas experiências acadêmicas também são importantes para os próprios estudantes indígenas:

Eu acho que a gente vai enfrentando muitas coisas ali dentro. Às vezes acaba dando um pouco de raiva e indignação, principalmente nessa questão da nossa formação, porque a gente não fala sobre saúde indígena, não tem na formação. Se não fosse o PET eu teria chegado muito sem saber ali. E nem sempre se discute essas questões ali no trabalho (TUCUMÃ).

O PET deu uma influência na minha vida profissional, porque, durante o tempo da minha graduação, sempre tive uma visão de trabalhar com a população indígena. Então, o PET indígena me ajudou a entender bastante o que é saúde indígena, como funciona nas demais localidades, né? Que a saúde indígena está dentro do SUS. Que criaram um subsistema para que pudesse atender à população indígena, porque o município e o Estado não conseguiam levar saúde até as aldeias e aí, a partir dessa criação da SESAI, a saúde conseguiu chegar dentro das aldeias, independente das localidades (BURITI).

Nas falas, os entrevistados ainda discutiram que as diferenças culturais e o preconceito atingiam diretamente as relações em seus locais de trabalho, relatando que nem sempre um profissional indígena é bem-vindo nos locais. Também foi relatado que se percebe pouco sobre a presença de indígenas nas equipes de trabalho, limitando, de certa forma, as possibilidades de construir inovações:

Só algumas pessoas que sabem que eu sou indígena e que me conhecem. Aí admiram: “Nossa, você veio de uma comunidade!” E daí questionam sobre como é viver uma realidade diferente. Mas isso é mais raro, no geral é como se nem me visse como indígena, já que sou profissional. É como se não pudesse ser indígena e profissional (JABUTICABA).

Já em outros cenários, discutiram que tem sido potente ter indígenas na equipe, trazendo também experiências positivas quando atuaram no contexto indígena e com outro profissionais indígenas:

Eles me respeitam bastante, porque é uma cultura que é daqui. É tanto que eles procuram muito explorar e passar para os alunos, principalmente àqueles que não são indígenas, para conhecer a realidade. Então, é muito bom isso, pelo menos o pessoal que eu trabalho aqui, na educação, é muito consciente sobre isso. E eu ser indígena faz muita diferença, ajuda muito (UMBU).

Eu atuo em um ambiente onde a maioria dos profissionais são indígenas, o que é ótimo no campo. Enquanto indígena, vejo que há diferença no fato de eu ser uma indígena atuando na saúde indígena. Pois o nosso olhar vai para além do que é aprendido em sala de aula, já que atuamos com diferentes povos. As intervenções e o nosso chegar a eles, respeita sua singularidade, mesmo que não as conheça por completo. Ponto que eu aprendi com o PET, pois o grupo é rico em reflexões e questionamentos, tendo como protagonistas os diferentes povos indígenas do Brasil. Certamente, participar do grupo foi uma riqueza imensurável para mim (TUCUMÃ).

Assim, percebe-se que os atuais profissionais recuperaram aprendizados desenvolvidos no período de suas atividades no PET durante o exercício de suas profissões, bem como valorizam a atuação dos profissionais indígenas nos diversos contextos indígenas, seja nas suas localidades de origem ou em outros locais. De toda forma, reforçam que os profissionais indígenas podem atuar de uma forma mais competente e diferenciada, já que também são indígenas. 

Considerações finais

O mapeamento dos indígenas que passaram pelo grupo PET Indígena – Ações em saúde nos seus primeiros doze anos de atividade revelou uma diversidade grande de cursos de graduação e povos indígenas, somando um total de 39 egressos.

Com base na pesquisa foi possível descrever que o Programa de Educação Tutorial Indígena Ações em Saúde tem sido importante na trajetória acadêmica dos indígenas, tanto no âmbito do desenvolvimento acadêmico, na permanência e na atuação futura como profissionais.

Percebe-se que no período de atuação no PET, os estudantes indígenas puderam construir de forma compartilhada e coletiva, com troca de experiências, o que contribuiu para o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes. Uma das características destacadas dessas ações foram o protagonismo em atividades de ensino, pesquisa e extensão e a grande diversidade de cursos de graduação, povos indígenas e regiões do país.

A trajetória acadêmica dos estudantes indígenas é permeada por muitas dificuldades, como ficar longe da família, do seu território, do seu povo. Estar na universidade é desafiador, havendo todos os dias uma luta diferente. Nesse sentido, o PET também se tornou um ponto de apoio e respeito às demandas pessoais, o que favorece a jornada acadêmica e auxilia a permanência dos estudantes nos cursos.

Outro ponto observado é que na matriz curricular dos cursos não são tratados os temas da saúde indígena e da diversidade de povos indígenas existentes no Brasil. Como resposta, o PET se tornou sujeito criando estratégias para superar essa invisibilidade. Assim, a realização de cursos, eventos e discussões organizadas pelo PET busca levar essas discussões para vários cenários e oportunizaram que os petianos desenvolvesse estratégias criativas sobre como abordar essas questões em outros espaços, vislumbrando dar visibilidade e quebrar estereótipos em relação aos povos originários. Ainda nessa discussão, ratificamos a importância de os temas relacionados aos povos indígenas comporem das diferentes matrizes curriculares, sendo que no caso dos cursos da saúde necessita-se contemplar a discussão sobre a saúde dos povos indígenas com todos os estudantes.

Quanto aos conhecimentos tradicionais trazidos pelos indígenas para o ambiente acadêmico, percebe-se que estão mais centrados nas formas de conviver, construir coletivamente, desenvolver projetos compromissados com os povos indígenas, bem como com a forma de se posicionar no mundo. Nas entrevistas não foram trazidos outros conhecimentos tradicionais, como os relacionados às práticas indígenas de cuidado em saúde, o que poderia ser mais incorporado às atividades desenvolvidas pelo grupo, sendo reconhecido esse campo como uma das fragilidades do grupo.

Estar no PET é uma oportunidade para alinhar as ideias relacionadas aos diversos temas que tenham interesse em pesquisar e dar um retorno para sua comunidade, o que não acontece nos cursos de graduação. O direcionamento feito pelos tutores auxilia e reforça o quanto é importante pesquisar algo relacionado ao seu povo, buscando soluções para demandas reais e assim colaborar com a melhoria na condição da saúde indígena.

Nessa direção, recomenda-se o fortalecimento do programa PET Conexões de Saberes composto por estudantes indígenas, bem como a ampliação de grupos com essa composição. Também é importante reiterar que docentes e gestores envolvidos com esses grupos devem reconhecer as especificidades desses estudantes e valorizar o protagonismo indígena nas diversas atividades desenvolvidas.

Portanto, as narrativas dos egressos do programa desvelam que o aprendizado advindo da participação no PET influencia na sua atuação profissional atual, reiterando que foi espaço de aproximação com a saúde indígena, com o trabalho intercultural, com a construção coletiva de saberes e práticas e com um olhar crítico sobre o trabalho. O PET e a presença indígena na universidade tem sido uma trajetória de a cada dia ocupar mais espaços, mostrando a diversidade de povos, pois cada estudante é referência, representa o seu povo, contando o lado da história que não é conhecida, deixando tudo registrado, como resposta às lutas dos nossos antepassados.

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